04/08/2011 20:00:00

Homenagem: Ao meu grande irmão

Desde criança, ele se mostrou superior. Acima de suas origens e à frente de seu tempo, foi um luminoso astro em cuja órbita gravitamos, cônscios de sua magnética força atrativa e confiantes em sua potente e confortadora energia.
Sempre o tivemos como capaz de quase tudo – e ele o foi.

Éramos uma escadinha de quatro meninos, da qual eu era o último degrau e o Pedro, o primeiro. Nossa irmã viera depois se ajuntar a nós.

Genial e altivo, liderava-nos em tudo. Travesso, traquinas, mas reverente, ensinara-nos tanta travessura, tanta traquinagem e também nos ensinara a rezar. Reunia-nos tal qual um padre ou um rezador e nos ministrava, em nossas rezinhas, o que aprendia nas missas e nas rezas a que íamos com nossos pais, em Cedrolina, Distrito de Santa Terezinha de Goiás, em cujas cercanias nascemos e vivemos os primeiros anos... Salve rainha, mãe de misericórdia... Que oração difícil de aprender!

Inventivo, ainda em tenra idade, fazia toda ordem de geringonças e instrumentos úteis. Das mais inusitadas pecinhas de outros aparelhos construía lanterna, bússola, aviãozinho (este com motorzinho de radiola). Certa feita, com dínamo de farol de bicicleta, estaticamente adaptado e ligado a uma rede de fios elétricos adredemente por ele tecida e instalada com um sem-número de lampadazinhas, iluminara todo o nosso cirquinho, feito de tábuas e palhas de bacuri, com picadeiro, arquibancada e tudo.

Curioso, irrequieto, espirituoso e já se despontando como um intrépido defensor dos hipossuficientes, do alto de seus doze anos, livrara-me da infantil desonra de ser reprovado na pré-escola, quando, por erro na atribuição de notas, lançaram em meu boletim média inferior à que correspondia a meu efetivo desempenho escolar. Ah, ele virara uma fera a defender seu pequeno irmão!

Redigira um requerimento, com a pena pesada que sempre lhe caracterizou, com dizeres veementes e bem articulados. Fizera-se justiça. E fora salvo de mácula meu histórico escolar.

Sempre confiamos que nada escapava à percuciente observação do nosso primogênito e que ele assumiria a defesa de nossos legítimos interesses – e estávamos certos em fazê-lo.

O Pedro cresceu em idade, tamanho e inteligência, e nele mais se ressaltaram os traços do gênio que ele sempre foi. Inveterado e habitual leitor, à medida que se lhe assomavam as letras, demonstrava-se ele um notável crítico social e político, com seus artigos e monografias a um só tempo mordazes e equilibrados, contundentes e esclarecedores, em fina sintonia com os interesses e anseios dos cidadãos comuns, especialmente dos menos aquinhoados pela sorte.

Culto, era profundo conhecedor da nossa língua, sabia como poucos de etimologia e linguística, de história, da cultura popular, de tudo.
Não fora, certamente, sem razão ou por prosaico motivo que ele viera a ser chamado de “Pedão”. A apócope e o superlativo, em aparente paradoxo (só aparente), representam sua simplicidade e seu valor.

E, a propósito, os grandes compreendem a seus pares e aos pequenos. Estes, no máximo, só se compreendem. Ele, em sua ampla dimensão humana, foi tantas vezes incompreendido.
Fora um menino-homem e era um homem-menino, de mente brilhante e coração puro.

Coração de criança, mente típica dos grandes, alma divinamente iluminada, na complexidade existencial própria dos gênios, brindou-nos com profícua produção intelectual e amou intensamente - ainda que, por vezes, pelo avesso - os seus (e os outros), sua terra, sua gente.

Marcante era sua simpatia constantemente dispensada a todos os que dele se fizeram próximos. De notório saber e de desmedido altruísmo, doava-se generosamente, despendendo atenção, tempo e esforço na resolução de problemas ou na implementação de direitos alheios, especialmente dos mais humildes - enfatize-se.

Cativante, perspicaz, encantador, envolvente, de elegância ímpar e de fina sensibilidade, tinha uma anedota e uma boa idéia para cada ocasião.

Ele era nosso farol e nosso porto seguro, nosso leme e nosso capitão. Era, em nossa temporal travessia, tão vinculado e indispensável a nós e de nós tão dependente. Sem ele, sentimo-nos à deriva, desnorteados e faltos de nós mesmos.

E é com lancinante saudade que declaro minha imensa admiração e meu eterno amor ao meu grande irmão.
Que Deus o tenha conSigo e de nós tenha compaixão!

Valdemar Tiago Moreira é Delegado de Polícia Federal e irmão de Pedro Moreira de Melo, Promotor de Justiça, falecido no dia 17/07/2011, em acidente automobilístico na Rodovia BR-153